Butelo e Casulas são termos que conheci apenas há uns poucos anos através de experiências relatadas por outros bloggers, curiosamente.
O prato transmontano com este nome era-me desconhecido, porém trata-se de uma iguaria bastante antiga, enraizada e mimada por muita gente apaixonada pela nossa gastronomia.
Não tendo ainda oportunidade de o conhecer na sua origem geográfica, tive a sorte de puder aprecia-la recentemente no evento de apresentação do Festival do Butelo e das Casulas, promovido pela Câmara Municipal de Bragança, que decorreu no restaurante Oficina, no Porto.

Receita da iguaria
Programa do Festival

 

Por Bragança, a grande festa alusiva a esta tradição gastronómica acontece de 2 a 4 de Fevereiro, e conta com várias actividades e momentos associados, nomeadamente, aprender tudo sobre este enchido tão particular – o butelo – desde as suas origens e história à sua confeção tradicional. Podem espreitar o programa aqui.

Para deixar a salivar quem ainda não conhece o prato, digo apenas que se trata de um cozido simples, onde se envolvem na mesma água as casulas, que não são mais do que cascas ou vagem de feijão, batata da boa e o butelo, que é um apetitoso enchido feito com carne e ossos de porco. Sim, ossos! Este aspecto era o que me fazia mais confusão até ter provado.  Aí verifiquei que além do excelente sabor que potenciam, a forma como é servido controla completamente esses “intrusos”, que em nada afectam a pacífica degustação do prato.
Para o recheio do butelo é usado parte da coluna e costelas com a respectiva carne que lhe está agarrada, os chamados ossos da suã, e para o seu “invólucro” a bexiga ou bucho do animal. Depois de tudo bem comprimido de forma a evitar a criação de bolsas de ar e garantir a boa conservação do produto, a peça fica montada e vai a fumar cerca de 2 a 3 semanas. Este processo enriquece o sabor da carne, que depois de cozida se apresenta deliciosamente tenra. Deve cozer em duas águas, sendo que a segunda é onde se cozinham também as casulas, as batatas e a cebola.
Segundo li, cada porco permite apenas fazer 2 ou 3 butelos, o que confere um valor acrescido ao enchido, e dá forma a um prato que se come especialmente no Carnaval.
As casulas são normalmente apanhadas verdes, partidas, secas ao sol, e depois demolhadas de um dia para o outro antes de serem confeccionadas. Estas estavam incrivelmente macias, e perfeitas quando acompanhadas com o melhor azeite transmontano.
Ponto chave desta especialidade? Além da qualidade dos produtos, naturalmente, passa por cozer em panela de ferro. Claro que não vou deixar de fazer em casa pela falta da mesma, mas não duvido que dê aquele toque especial.

Várias texturas de Butelo
O Prato: Butelo com Casulas
Bacalhau com broa, arroz de bacalhau com ovo a baixa temperatura, esmagada de batata doce e “pincelada” de alho negro
Pão de ló húmido com gelado de queijo da serra

 

Como um enchido que usa matéria prima aparentemente pobre, com partes do animal que poderiam ser consideradas perdidas, se destaca e demarca pelo sabor, força e tanta envolvência, é algo que a gastronomia portuguesa nos mostra ter feito de forma tão bem sucedida a cada passo que damos pela nossa história. E o butelo é outro belo exemplo disso.

Para resumir esta experiência, só me ocorre dizer que quando o Chef Marco Gomes entende que a melhor forma de cozinhar butelo com casulas é a única e a de sempre, a autenticidade supera a estética e nós agradecemos. Muito. Sendo que ainda fomos brindados com outros dois momentos de grande valor, pois o composto bacalhau e a maravilhosa sobremesa não deixaram ninguém indiferente.

Obrigada aos responsáveis por este delicioso evento que rapidamente nos transportou até Bragança numa deliciosa viagem de tradições, apoiada pelo tesouro que é a Carta Gastronómica de uma terra tão genuinamente nossa. Muito Obrigada!

No próximo fim de semana tudo sobre esta nossa especialidade gastronómica acontece em Bragança, e por favor, não façam como eu, não esperem tanto tempo para degustar este cozido tão particular e repleto de sabor.